Foi
no meado do século XV. Para sermos mais exatos, aconteceu em 1436. Em Maine, na
Alemanha, o fundidor e ourives Johann Gutenberg inventou a imprensa. Tal processo
veio possibilitar o desenvolvimento rápido da impressão de livros e, sobretudo,
a fundação de jornais. O Brasil conheceu a arte de imprimir no tempo de D. João
VI. Campos, que desde cedo viu nascer poetas, viu também surgir jornalistas que
foram da luta contra a escravatura à vigilância geral dos dias modernos. Nessa
longa trajetória muitos nomes se destacam graças ao talento do seu espirito, ao
vigor de sua pena. Um deles, recordamos com carinho: Jornalista Júlio Nogueira.
O
calendário indica — 1886. O mês ê junho. A data é 8. Nesse dia nasce Júlio
Nogueira. Invocando o romantismo de sua época, ousamos dizer que o Paraíba
corre mansamente em demanda das águas do agitado oceano Atlântico. No campo,
pássaros adultos e recém-nascidos procuram se ocultar do sôpro gélido e
violento da ventania. No ambiente simples em que vivem o antigo homem de
comércio Antonio Nogueira e Maria Nogueira, alguém vem ao mundo, sem ao menos
adivinhar a extensão da jornada e abrolhos do caminho. Vencida a fase em que a
criatura tanto necessita dos pais, o menino Júlio, se vê em iminência de
estudar. O modesto negociante está preocupado com a formação do filho e, numa
hora de folga o convida para um diálogo:
—
Venha cá, filho. Tenho uma boa notícia pra você.
—
Sim, paizinho.
—
Júlio, você deseja crescer sempre cercado de amigos e respeitado?
—
Quero ter muitos amigos.
—
Bem, para a pessoa ser assim é preciso ter um bom coração e muito conhecimento.
—
Conhecimento?
—
Sim, Júlio, estudo. Fique sabendo desde já: por estes dias você vai para o
colégio.
—
Colégio? Que bom!
—
Você vai estudar no “Colégio das Andradas”.
O
Colégio das “Irmãs Andradas” ficava no bairro do Matadouro. O tempo passa.
Júlio está rapazinho e vai dar os seus primeiros passos na senda do trabalho.
Faz-se comerciário. Entretanto, não leva muito lampo por trás do balcão. Muito
cedo ingressa no setor de jornal na cidade de Campos.
A
4 de novembro da 1900, aparece em Campos, o “primeiro número” de “A TRIBUNA”,
jornal que tem como redator a figura de Lacerda Sobrinho. Surge aí, a primeira
chance para Júlio Nogueira. Ingressa em “A Tribuna” como impressor e é aí nesse
jornal que, mais tarde publica seus primeiros trabalhos.
O
primeiro jornal sob a responsabilidade de Júlio Nogueira intitula-se “A
REPUBLICA”. Em 1913, aparece, também, sob sua direção um jornal cujo título é
“O DIARIO”. Três anos mais tarde, a 7 de setembro de 1916, é fundado em Campos
o jornal ‘A NOTÍCIA”, o qual tem como fundadores, Sílvio Fontoura, Sílvio
Tavares, Flávio Tavares, Thiers Cardoso, Gastão Machado e o nosso focalizado
Júlio Nogueira.
Progredindo
sempre no ofício que abraçou, Júlio Nogueira chega a ser, inclusive,
Redator-Secretário de “O MONITOR CAMPISTA”, redator de “A GAZETA”, jornal que
aparece a 8 de dezembro de 1921 e, por muitos anos, redator de “A GAZETA DO
POVO”. Júlio Nogueira, vai mais tarde, fundar o jornal “A CIDADE” e ter a seu
lado, entre outros auxiliares, aqueles que estão aposentados e alguns que ainda
continuaram por muito tempo no mesmo matutino, João Batista, Rosita Pilar e
Antonio Magalhães.
Antes,
porém, de focalizarmos Júlio Nogueira em relação ao jornal “A Cidade”, vamos
descrever outras facetas de sua vida, todas dignas de serem recordadas. Como homem
público o “Capitão” Júlio, como gostava de ser chamado, chega a ocupar vários
cargos: Secretário da Prefeitura, Escrivão da Coletoria Federal, Sub-Delegado
de Polícia, e, já no fim de sua vida, se elegeu vereador, cuja atuação é assunto
para depois,
No
terreno conjugal, Júlio Nogueira sempre se considerou feliz. Esta a razão de
suas palavras aos amigos, verdadeira confissão, a respeito da saudosa esposa:
—“Caçuleta
é a razão verdadeira de uma saudade que nunca se apaga do meu coração! Ela vive
e viverá sempre na minha lembrança!”
Júlio
Nogueira foi bom orador. Dominado por seus mais puros sentimentos, o querido
homem de imprensa, se faz orador público. Em prol das causas justas e,
principalmente, em defesa da harmonia, traço fundamental de toda beleza, Júlio Nogueira
ergue-se para falar as massas. As “barricadas” são nessa época, uma tradição do
poyo campista e o jornalista está intimamente ligado a algumas delas... Subir numa
das tais Barricas para impedir a fúria de um povo revoltado, jamais foi papel convidativo.
No entanto, Júlio Nogueira, por várias vezes se faz ouvir, respeitosamente em
plena rua. Um fato pode muito bem ilustrar o nosso relato, A 1º de setembro de
1912 vai ser inaugurado em Campos, os Serviços de Bondes Elétricos. A população
aguarda com ansiedade o empreendimento que virá beneficiá-la numa época em que
o transporte coletivo é quase inexistente. A esta altura a Companhia responsável,
já havia retirado os trilhos que vinham servindo aos bondes puxados a burros. E
a tal inauguração não se dá... É certo que os Serviços de Bondes Elétricos não
vão ser inaugurados. Esse 1° de setembro vai ficar na História... Insatisfeito
com a notícia do adiamento, o povo vem em massa para aa ruas, movido por uma
revolta que o levará a chocar-se com a polícia. O barulho está formado. Nesse
momento de fúria popular, confiante na futura realização do sonho —fato que vai
ocorrer somente a 5 de novembro de 1916 — ou, por amor a Paz, Júlio Nogueira se
ergue para falar:
-“Meus
conterrâneos, abrandai os vossos ânimos! A violência nada constrói neste mundo!
Saibamos esperar com paciência... Dias melhores virão... Acalmai-vos... os
bondes virão...“
Quem,
como nós, conheceu Júlio Nogueira, muitos anos mais tarde, na sua calma e
simplicidade, jamais pôde imaginar do que aquele homem foi capaz. E tinha muitas
qualidades. Falando a seu respeito, Gastão Machado, outro nome saudoso e
respeitável, assim se expressou:
—
“Júlio Nogueira sempre soube ser um amigo cem por cento — um dos grandes
corações que já conheci em Campos”.
E
qual seria a razão daquele “Capitão”, título que precedia o nome do jornalista?
Tudo se explica. Houve no passado, uma instituição famosa, conhecida por “Guarda
Nacional”, que foi extinta em 1930 com a revolução chefiada por Getúlio Vargas.
Júlio Nogueira, a tal guarda pertenceu, e da qual recebeu o honroso título de
Capitão.
Júlio
Nogueira e o Teatro — Como teatrólogo escreveu duas peças que foram encenadas
em Campos. Uma delas teve como título “ZEZÉ LEONI EM CAMPOS”, e foi inspirada
na Primeira Miss eleita no Brasil. A segunda peça trouxe como título “O HOMEM DA
LIGHT”, que se constituiu numa burleta em um ato, retratando uma época distante
de nossa cidade. “O HOMEM DA LIGHT” foi representada pela primeira vez em 1921,
no velho Coliseu dos Recreios. O seu enrêdo se baseava nas figuras de um agiota
que se eleva na vida à custa do dinheiro emprestado a 15 e a 20 por cento, sua
filha que frequenta o cinema com o namorado, na governanta que substituía a
falecida, num criado e outras figuras.
A
10 de março de 1934, apareceu em Campos o primeiro número de “A CIDADE”. Seu
fundador era Júlio Nogueira, e sua folha, entre outros préstimos inestimáveis,
tornou-se uma porta aberta para os intelectuais da terra. Numa do suas páginas
apareceu desde cedo, um personagem que ficaria famoso — MATIAS — figura humorada
a ilustrar o matutino. O tipo transformado em clichê foi inspirado num personagem
teatral do Rio, o qual depois de conquistar a simpatia dos leitores de “A
Cidade” voltou ao palco, na peça de Gastão Machado, “CAMPOS É ASSIM”. Concordando
sempre que “O apelo é justo...”, Matias ia pugnando pelo interesse do povo. Tal
figura foi criada por Luís Balbi e, mais tarde, já envelhecida, Gastão Machado,
também caricaturista, tratou de emurchecê-la, segundo a vontade do tempo, mas
conservando sempre aquele seu guarda-chuva irreverente... Júlio Nogueira foi
sempre um homem divertido. Amante da música popular, amava as serenatas e chegou
mesmo a fazer parte do “Topa-Tudo”, uma espécie de bloco 0que se propunha a
divertir todo o mundo com seus mais variados espetáculos.
Júlio
deixa, afinal, a imprensa e vai, levado de surpresa, ingressar na política. Sua
carreira de jornalista se encerra no jornal que criou — A CIDADE. Numa
transação amigável, transfere todos os seus direitos de proprietário do jornal
ao jornalista Vivaldo Belido de Almeida, o qual, conservando o que de melhor
encontrou, passa a adaptá-lo às exigências modernas da Imprensa. Em 1962, em
virtude de uma propaganda feita por amigos e encabeçada por Juvenal Queiroz o
popular Zazáu — é eleito vereador e atua na Câmara Municipal de Campos até
1966. É reeleito para um mandato que vai até 1970.
Sua
pena, entretanto, ainda não parou. De vez em quando publica artigos no próprio
jornal que foi a sua última criação. O tempo vai passando. Uma enfermidade
ingrata, que atinge o seu sistema circulatório tenta mantê-lo afastado das
ruas. Não consegue. Júlio tem boa fibra. De posse de uma bengala ele volta a
circular pela Praça de São Salvador, vai em pessoa receber os seus proventos na
Prefeitura, está lúcido e reconhece todos os seus amigos.
Depois,
deixa de ser notado nas rodinhas do centro... O peso dos anos e as
consequências da doença o vai esmagando com rigor. O desgaste aumenta de
proporção. E o fim que está chegando. Ninguém que o visita, tem dúvida desse
fato. A 16 de fevereiro de 1972, com seus 86 anos incompletos, o Capitão Júlio
Nogueira, deixa o convívio da família, dos amigos, de todos nós que nos habituamos
a admirá-lo como jornalista sensato, como homem honrado, como figura humana.
Ausente, apenas fisicamente, mas sempre presente em nossa saudade, Júlio
Nogueira continua lembrado, principalmente, por aqueles que com ele conviveram.
Foi
homenageado tendo seu nome na Rua Capitão Júlio Nogueira, em Guarus, Campos/RJ,
bem como na Cadeira de nº. 36 da Academia Pedralva Letras e Artes, da qual é
patrono.
Fonte: Texto contido no livro “Gente
que é nome de rua” (1985), de autoria de Waldir Pinto de Carvalho – p. 278-282.